Resumo: Na aquicultura, os procedimentos de manejo dos peixes, como captura, manuseio e transporte são muitas vezes traumáticos, causando graves reações fisiológicas e bioquímicas. A importância de reduzir o estresse pré-abate se deve ao fato de que a natação vigorosa leva a um uso intenso do músculo branco, aumentando a glicólise anaeróbica e a produção de ácido lático, diminuindo o pH do músculo e levando à degradação estrutural das proteínas musculares, o que diminui a capacidade de retenção de água (CRA) da carne. Os fatores genéticos ligados a mudanças na CRA do músculo estão relacionados com alterações na atividade dos receptores da rianodina, que podem ocasionar em uma diminuição da capacidade desse canal para controlar a liberação de cálcio para o citoplasma da célula muscular, especialmente sob períodos de estresse físico. O excesso de cálcio no citosol provoca a contração muscular rápida, acelerando o metabolismo anaeróbico e a glicólise post-mortem, o que diminui drasticamente o pH muscular, afetando assim a capacidade do músculo reter a água contida nos estoques intracelulares. Alterações na qualidade do músculo advindas do estresse pré-abate diminuem a vida de prateleira e acarretam em prejuízos econômicos para a indústria do pescado. O objetivo deste estudo foi avaliar o estresse pré-abate provocado pelo transporte e sua influência sobre indicadores de estresse, características de qualidade e sensoriais de filés, e expressão gênica da proteína receptora da rianodina em tilápias-do-Nilo. Como forma de criar situações de manejo pré-abate onde fosse possível caracterizar níveis de estresse agudo ante-mortem nas tilápias, foi realizado um experimento com diferentes densidades e tempos de transporte. O experimento foi conduzido em um esquema fatorial 3x4, sendo três densidades (100, 200 e 400 kg de peso vivo/m³) em quatro tempos (60, 120, 180 e 240 minutos) de transporte, com um tratamento controle (peixes retirados do tanque-rede e imediatamente eutanasiados), totalizando assim 13 tratamentos, com 10 repetições por tratamento (sendo o peixe a unidade experimental) num total de 130 peixes (peso médio 866,86±143,98 g e comprimento total 33,80±1,63 cm). Foram analisados os níveis de cortisol sérico e glicose plasmática como indicadores do estresse, a expressão gênica de duas isoformas da proteína receptora da rianodina (RyR1 e RyR3) e os seguintes parâmetros de qualidade dos filés: pH, colorimetria (luminosidade L* e croma b*), capacidade de retenção de água, perda de água por pressão e perda de água por cozimento. Para análise sensorial, foram selecionados diferentes tratamentos do esquema fatorial, e divididos em dois experimentos: Experimento sensorial 1: foram utilizados peixes da densidade média de 200 kg/m³ nos tempos 60 e 240 min (tratamentos 200 kg/m³ e 60 min, 200 kg/m³ e 240 min), comparando com peixes do tratamento controle, e no Experimento sensorial 2 foram utilizados peixes transportados por 180 min, nas densidades de 100 e 400 kg/m³ (tratamentos 100 kg/m³ + 180 min, 400 kg/m³ + 180 min), comparando com peixes do tratamento controle. A análise sensorial foi realizada com 90 provadores não-
treinados, sendo aplicados dois testes (aceitação e intenção de compra). Os provadores foram questionados quanto à aparência, cor, maciez, suculência e sabor característico do pescado, utilizando escala hedônica estruturada de nove pontos, ancorada entre 1 (desgostei extremamente) até 9 (gostei extremamente). O teste de intenção de compra foi realizado com escala hedônica de cinco pontos com os extremos 1 (certamente não compraria) e 5 (certamente compraria). Não houve efeito da interação densidade x tempo sobre todos os parâmetros avaliados. Porém, o tempo de transporte isoladamente acarretou em redução nos níveis de cortisol até 180 minutos, acompanhado do aumento da CRA e da expressão do mRNA RyR1 e RyR3 (na densidade de 200 kg/m³). Assim, observou-se que as isoformas RyR1 e RyR3 afetam de forma diferente a CRA em tilápia, sendo que o defeito na regulação de cálcio reside principalmente no gene que codifica a RyR1. O estresse pré-abate acarretou em redução na expressão gênica da RyR1, e a diminuição do estresse pré-abate elevou a CRA dos filés. Filés da densidade 400 kg/m³ apresentaram maior valor para o componente amarelo-azul (b*) em relação às demais densidades. Quando avaliados somente os tratamentos utilizados na análise sensorial (Experimentos Sensoriais 1 e 2), no Experimento Sensorial 1, o tempo 60 min acarretou em maior concentração de cortisol sérico (27.8 μg/dL) e de glicose plasmática (167,2 mg/dL) em relação ao tempo 240 min e ao controle. Em decorrência deste estresse, foi observada menor CRA e maior perda de água por pressão no tempo 60 min, em comparação com peixes transportados por 240 min, sendo que estes filés apresentaram maior escore para o atributo suculência. pH, cor e perda de água por cozimento não foram afetados pelo estresse. No Experimento Sensorial 2, as densidades de transporte 100 e 400 kg/m³ não afetaram os indicadores de estresse e parâmetros de qualidade instrumental dos filés, porém peixes transportados em 400 kg/m³ apresentaram melhor aceitação visual pelos provadores, em função dos filés apresentarem cor amarela mais intensa. O aumento do tempo de transporte até 180 minutos acarretou em uma diminuição do estresse, expresso pelos valores de cortisol sérico. Peixes mais estressados apresentaram menor expressão dos genes RyR1 e RyR3 e menor CRA da carne, sendo que a diminuição do estresse levou ao aumento linear até 180 minutos destes parâmetros. Peixes do tratamento 200 kg/m³ e 240 min de transporte apresentaram menor estresse, maior CRA e menor perda de água por pressão, além de melhor suculência em relação aos transportados em 200 kg/m³ por 60 min. Os resultados deste estudo forneceram a primeira evidência de que o estresse pré-abate afeta a expressão dos genes que codificam os receptores da rianodina e por consequência, a capacidade de retenção de água dos filés, ocorrida devido ao aumento da disponibilidade de Ca2+ no citosol. As perspectivas futuras a partir deste estudo permitem projetar que será possível, a exemplo de outras espécies animais, a identificação precoce de indivíduos mais propensos ao estresse e ao desenvolvimento de carnes com menor capacidade de retenção de água.
Abstract: Fish management procedures in aquiculture, such as capture, handling and transport, are often traumatic and cause serious physiological and biochemical reactions. The importance of the reduction of pre-slaughter stress is due to the fact that vigorous swimming intensely employs the white muscle, increases the anaerobic glycolysis and the production of lactic acid, and decreases muscle´s pH with the structural degradation of muscular proteins. The above diminishes the meat´s water-holding capacity (WHC). The genetic factors bonded to changes in the muscle´s WHC are related to alterations in the activity of ryanodine receptors which may decrease the ability of this channel to control the release of calcium to the cytoplasm of the muscular cell, especially in periods of physical stress. Calcium excess in the cytosol causes fast muscular contraction, with an acceleration of anaerobic metabolism and post-mortem glycolysis. The muscle´s pH is drastically decreased, affecting the muscle´s capacity to retain water in the intracellular stores. Changes in muscle quality derived from pre-slaughter stress diminish shelf life and bring economic liabilities for the fish industry. Current analysis assesses the pre-slaughter stress caused by transport and its influence on stress indicators, fillets´ quality and sensorial factors, and genetic expression of the ryanodine receptor protein (RyR) in Nile tilapias.
The establishment of pre-slaughter management situations characterizing acute stress ante-mortem levels in the tilapias was conducted by an assay with different densities and periods of transport. The assay had a 3 x 4 factorial design, with three densities (100, 200 and 400 kg live weight/m³) at four transport periods (60, 120, 180 and 240 minutes), coupled to a control treatment (fish retrieved from the tank and immediately euthanized), with a total of 13 treatments and 10 replications per treatment (the fish was the experimental unit), with 130 fish (average weight 866.86±143.98 g and total length 33.80±1.63 cm). Levels of serum cortisol and plasma glucose as stress indicators, the gene expression of two isoforms of the ryanodine receptor protein (RyR1 and RyR3), coupled to the following quality parameters of the fillets: pH, colorimetry (luminosity L* and yellow-blue component b*), water-holding capacity, loss of water due to pressure and loss of water due to cooking, were analyzed. Different treatments of the factorial design were selected for the sensorial analysis, divided into two experiments. Sensorial Experiment 1: fish at average density 200 kg/m³ at 60 and 240 min (treatments 200 kg/m³ and 60 min; 200 kg/m³ and 240 min), and compared to fish of control treatment. Sensorial Experiment 2: fish transported during 180 min, at densities 100 and 400 kg/m³ (treatments 100 kg/m³ + 180 min; 400 kg/m³ + 180 min), compared to fish of control treatment. Sensorial analysis was undertaken with 90 non-trained testers, with two tests (acceptance and purchase intention). Tasters had to answer questions on the physical aspect, color, softness, juiciness and taste characteristic of the fish, through a 9-point hedonic scale, between 1 (I disliked it very much) and 9 (I like it very much). The purchase intention test was undertaken by a 5-point hedonic scale, between 1 (I would not buy it) and 5 (I would surely buy it). There was no effect by density x time interaction on all the parameters evaluated. Transport time alone reduced cortisol levels up to 180 minutes, with increase of WHC and mRNA RyR1 and RyR3 (density 200 kg/m³). Isoforms RyR1 and RyR3 affected differently the water-holding capacity in the tilapia. Defect in calcium regulation mainly occurred in the gene that codified the RyR1. The pre-slaughter stress reduced the RyR1 gene expression and the decrease of pre-slaughter stress raised the fillets´ water-holding capacity. When treatments in the sensorial analysis only are assessed (Sensorials Experiments 1 and 2), the 60-min period in Sensorial Experiment 1 caused a higher concentration of serum cortisol (27.8 μg/dL) and plasma glucose (167.2 mg/dL) when compared to that at 240 min and to control. Stress caused WHC and a greater water loss by pressure at 60-min period when compared to fish transported during 240 min. The fillets had a higher score for juiciness. Moreover, stress did not affect pH, color and water loss by cooking. Transport densities 100 and 400 kg/m³ in Sensorial Experiment 2 did not affect stress indexes and instrumental quality parameters of the fillets, even though fish transported at 400 kg/m³ had a better acceptance by tasters. Increase in transport time up to 180 min decreased stress expressed by serum cortisol rates. More stressed fish had a lower RyR1 and RyR3 gene expression and a lower water-holding capacity in the meat. Stress reduction caused a linear increase up to 180 min of the parameters. Fish in treatment 200 kg/m³ and 240 min transport had lower stress rate, higher WHC and lower water loss by pressure, coupled to better juiciness when compared to fish transported at 200 kg/m³ for 60 min. Results give first evidence that pre-finish stress affects genes that codify ryanodine receptors and, consequently, the fillets´ water-holding capacity due to an increase in Ca2+ availability in cytosol. Following the example of other animal species, future perspectives derived from current analysis will provide the early identification of stress-prone specimens and the development of meat with lower water-holding capacity. |