Resumo: O efeito benéfico do consumo de peixes está relacionado, principalmente, ao seu conteúdo de ácidos graxos poli-insaturados e essenciais, como, α-linolênico (ALA), eicosapentaenoico (EPA) e docosaexaenoico (DHA). Esses ácidos graxos exercem efeitos positivos na saúde humana, como indicado por diversos estudos, reduzindo os fatores de risco de doenças cardiovasculares, hipertensão e doenças inflamatórias, entre outras. No entanto, a composição em ácidos graxos dos peixes não é constante, variando em função de diversos fatores, como sazonalidade, dieta, ciclo de vida, temperatura e fatores externos. Portanto, conhecer a composição em ácidos graxos dos peixes, em especial os ácidos graxos essenciais e conhecer, como esta varia em função dos fatores citados anteriormente, proporcionam um melhor entendimento do valor nutricional dos peixes e permite que dietas e processos industriais sejam mensurados adequadamente. O objetivo deste trabalho foi avaliar a composição em ácidos graxos de espécies de peixes da Bacia Amazônica (extrativismo) e de peixes de cativeiro (tilápia do Nilo), bem como quantificar os ácidos graxos essenciais, avaliando o perfil nutricional de qualidade lipídica e os métodos de quantificação de ácidos graxos. Além disso, avaliar o efeito da sazonalidade e da dieta sobre estes. As amostras de peixes da Bacia Amazônica foram coletadas, respectivamente, em Roraima-RR (02° 49' 12"S, 60° 40' 23" O) e Mato Grosso – MT (13° 1′ 59″ S, 55° 56′ 38″ O), sendo que a primeira coleta consistiu das seguintes espécies: Colossoma macropomum, Leporinus friderici, Prochilodus nigricans, Brachyplatystoma flavicans e Brachyplatystoma filamentosum. A segunda coleta de peixes de extrativismo consistiu das seguintes espécies: Matrinxã (Brycon cephalus) e Piraputanga (Brycon microlepis). Os peixes de cativeiro (Oreochromis niloticus) foram fornecidos pela Estação Experimental UEM/Codapar e foram coletados na cidade no distrito de Floriano, Maringá-PR. Todas as amostras foram manuseadas de acordo com normas de bem estar animal. As amostras foram processadas, o filé foi obtido, triturado, homogeneizado e armazenado em embalagens plásticas a -18ºC. Posteriormente, as amostras foram caracterizadas através do teor de umidade e lipídios totais. As espécies B. cephalus e B. microlepis tiveram sua composição centesimal determinada e os lipídios totais foram utilizados para posterior separação de lipídios em classes. Os metil ésteres foram preparados e separados em cromatógrafo a gás equipado com detector de ionização de chama e coluna capilar de cianopropil (100 m x 0.25 d.i., 0.25 μm, CP-7420). A quantificação dos ácidos graxos foi realizada através do método de padronização interna com tricosonoato de metila (23:0). As amostras de peixes da segunda coleta tiveram sua composição em ácidos graxos determinadas por quatro métodos diferentes: normalização de área, padronização interna, método alternativo teórico e método alternativo experimental. Os dados foram analisados estatisticamente por meio da análise de variância (ANOVA), e as diferenças entre as médias foram determinadas pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade. Em alguns casos, aplicou-se a metodologia de Análise de Componentes Principais (PCA), com intuito de avaliar as variáveis com maior impacto sobre os resultados. Para as tilápias do Nilo, foram preparadas três dietas suplementadas com 2.1% de óleo soja (TI - controle), óleo de canola (TII) e óleo de chia (TIII). Os peixes foram alimentados em três tempos diferentes: tempo zero, 15 dias e 30 dias. As cinco espécies de peixes nativos da Bacia do Rio Branco, Roraima, apresentaram variação no perfil lipídico em função da sazonalidade dos períodos de cheia (vazante) e seco (jusante). B. flavicans apresentou a maior variação entre os períodos (6.75–15.43 %), enquanto C. macropomum não apresentou diferença significativa (p>0.05). As espécies L. friderici, B. filamentosum e B. flavicans apresentaram redução no teor de lipídios totais durante o período de vazante, o que esta relacionada às características das espécies, uma vez que para L. friderici, o período de vazante é caracterizado pelo período de reprodução, ou seja, há um grande gasto de energia para formação dos gametas necessários neste período. Para as espécies B. filamentosum e B. flavicans, com características de carnívoros, no período de vazante é necessário um maior gasto energético em busca de alimento nas áreas inundadas, percorrendo, portanto maiores distâncias. Em relação à composição em ácidos graxos também foi observado uma variação de acordo com os períodos sazonais, sendo que no período da seca o conteúdo de ácidos graxos saturados (AGS) foi maior e no período da cheia, os ácidos graxos monoinsaturados (AGMI) e os poli-insaturados (AGPI) apresentaram os maiores valores. Este aumento de AGPI no período da cheia está relacionado, principalmente, a alimentação das espécies neste período, em decorrência da grande abundância e diversidade de alimento nas áreas inundadas, como flores, frutos, insetos e sementes. Esses alimentos são ricos em precursores, como os ácidos graxos linoleico (LA, 18:2n6) e α-linolênico (ALA,18:3n3), que através de processos de dessaturaação e elongação dão origem aos AGPI de cadeia longa, araquidônico (ARA, 20:4n-6), EPA e DHA. A espécie L. friderici apresentou o maior conteúdo de ALA (14.86 mg g-1), enquanto C. macropomum apresentou o maior conteúdo de DHA. P. nigricans apresentou o menor conteúdo de ARA em ambos os períodos, enquanto B. flavicans apresentou os maiores valores de ARA nos dois períodos, com 18.77 mg g-1 na seca e 22.10 mg g-1 na cheia. Os índices de aterogenicidade e trombogenicidade apresentaram diferença significativa (p< 0.05) entre os períodos sazonais para todas as espécies avaliadas. A razão HH (hipercolesterolêmico/hipocolesterolêmico) foi maior no período da cheia, com diferença significativa (p<0.05) entre as espécies e os períodos sazonais. Os valores variaram de 1.91 (B. flavicans) para 2.66 (C. macropomum). As espécies de Brycon apresentaram composição centesimal semelhante a outros estudos, porém foram diferentes entre si significativamente (p<0.05). A composição em ácidos graxos foi determinada através de quatro métodos diferentes: normalização de área (MAN), padronização interna (MIS), método alternativo teórico (MAT) e método alternativo experimental (MAE). Observou-se diferença significativa (P<0.05) entre os métodos empregados e as espécies. MAN forneceu informações em porcentagem de área relativa, o que dificulta sua utilização na formulação de dietas, que necessitam de formações precisas. MIS, MAT e MAE forneceram informações em massa sobre a composição em ácidos graxos das espécies B. cephalus e B. microlepis. B. microlepis apresentou o maior conteúdo de ALA, enquanto o somatório dos ácidos graxos EPA e DHA foi de 104.37 mg 100g-1 e 117.89 mg 100g-1 para B. cephalus e B. microlepis, respectivamente. As rações formuladas para alimentação de tilápias do Nilo apresentaram composição centesimal semelhante, sem diferença significativa (p>0.05). Além disso, a composição de ácidos graxos das rações mostrou que os tratamentos com óleo de chia (TIII) e com óleo de canola (TII) apresentaram maiores conteúdos de ácidos graxos poli-insaturados, em especial os da serie n-3, que o tratamento controle (TI) com óleo de soja. Os resultados evidenciaram que houve diferença significativa (p<0.05) entre os tratamentos empregados, sendo que os tratamentos TII e TIII incorporaram maior quantidade de AGPI e de ácidos graxos poli-insaturados de cadeia muito longa (AGPI-CML) que o tratamento controle (TI). Estes tratamentos forneceram respectivamente 33.16 mg g-1 e 58.96 mg g-1 LNA. Em comparação com TI, essa quantidade foi superior em 30% para TII e 131% para TIII. No final dos 30 dias de tratamento, houve um incremento de 97% no conteúdo de DHA nas tilápias alimentadas com TIII e 91% nas alimentadas com TII. Esse incremento esta relacionado a capacidade dos peixes em sintetizar ácidos graxos de cadeia longa a partir dos precursores ALA e LA. A ACP aplicada aos parâmetros: n-6, n-3, ALA, LA, DHA, ARA e a razão n-6/n-3, mostrou que duas componentes principais explicaram 92.07% da variância dos dados, promovendo separação dos tratamentos aplicados. Os resultados evidenciaram que os conteúdos de ácidos graxos n-3 e n-6 influenciaram na separação dos grupos e, consequentemente nos resultados obtidos. Os peixes provenientes da Bacia Amazônica (Estado de Roraima) tiveram seu perfil lipídico, a composição em ácidos graxos e, consequentemente, o perfil de qualidade nutricional lipídica afetados pela sazonalidade. No entanto, em ambos os períodos as espécies estudadas apresentaram excelente conteúdo de ácidos graxos poli-insaturados, em especial, os ácidos graxos essenciais e tão benéficos. Em relação ao método de quantificação de ácidos graxos avaliados para as duas espécies de Brycon provenientes da região da bacia Amazônica Central (estado de Mato Grosso), observou-se que o método com maior acuracidade nos resultados foi o método de padronização interna. Os métodos alternativos, apesar de fornecerem resultados em massa, em geral, apresentaram valores superestimados, o que pode gerar informações errôneas em formulações de dietas e dimensionamento de processos e produtos. As tilápias do Nilo submetidas a diferentes tratamentos tiveram sua composição em ácidos graxos influenciada por estes, ou seja, os tratamentos com óleo de chia e canola promoveram uma maior incorporação dos ácidos graxos da série n-3, benéficos a saúde humana.
Abstract: The beneficial effect of fish consumption is related to polyunsaturated fatty acids content, such as α-linolenic acid (ALA), eicosapentaenoic (EPA) and docosahexaenoic (DHA). These fatty acids have positive effects on human health, as indicated by several studies, reducing the risk factors of cardiovascular disease, hypertension and inflammatory diseases, among others. However, the fish fatty acids composition is not constant, varying depending on several factors such as seasonality, diet, life cycle, temperature and external factors. Therefore, the knowledge of fish fatty acids composition, especially the essential fatty acids, will provide a better understanding of the nutritional value of fish and allow diets and industrial processes be properly measured. This study aimed to evaluating the fatty acid composition of fish species in the Amazon Basin (native) and fish-farmed fish (Nile tilapia), quantify the essential fatty acids, evaluating the nutritional profile of lipid fraction and methods of fatty acids quantification. Moreover, evaluate the effect of seasonality and diet on fatty acids composition. Fish samples in the Amazon basin were collected respectively in Roraima-RR (02 ° 49 '12 "S, 60 ° 40' 23" W) and Mato Grosso - MT (13 ° 1 '59 "S, 55 ° 56 '38 "W). The first collection consisted of the following species: Colossoma macropomum, Leporinus friderici, Prochilodus nigricans, Brachyplatystoma flavicans and Brachyplatystoma filamentosum. The second collection of native fish consisted of the following species: Brycon cephalus and Brycon microlepis. The fish-farmed fish (Oreochromis niloticus) were provided by the Experimental Station UEM/CODAPAR and were collected in Floriano district of Maringá-PR. All samples were handled in accordance with animal welfare standards. The samples were processed; the filet was obtained, crushed, homogenized and stored in plastic bags at -18°C. Subsequently, the samples were characterized by moisture content and total lipids. The species B. cephalus and B. microlepis have their centesimal composition determined, and total lipids were used for further separation of lipid classes. The methyl esters were prepared and separated into gas chromatograph equipped with flame ionization detector and capillary column of cyanopropyl (100 m x i.d. 00:25, 12:25 micrometres CP-7420). Quantification of fatty acids was performed using the internal standard method with methyl tricosonoate (23:0). Samples of the second test had their fatty acid composition determined by four different methods: the area normalization, internal standard, alternative theoretical method and experimental alternative method. Data were statistically analyzed by analysis of variance (ANOVA), and the differences between means were determined by Tukey test at 5% probability. In some cases, it was applied Principal Component Analysis methodology (PCA), in order to assess the variables with the greatest impact on the results. For Nile tilapia were prepared three diets supplemented with 2.1% soybean oil (control), canola oil (TII) and chia oil (TIII). The fish were fed three different times: zero time, 15 days and 30 days. The five fish species from Branco River, Roraima, showed variation in lipid profile according to seasonality of periods of drought and flood. B. flavicans showed the greatest variation between the periods (6.75-15.43%), while C. macropomum showed no significant difference (p>0.05). The species L. friderici, B. flavicans and B. filamentosum showed reduction in total lipids during flood period, which could be related to the species characteristics, to L. friderici the flood period is characterized by reproduction period, i.e, there is a large expenditure of energy for the formation of gametes needed at this time. For the species B. filamentosum and B. flavicans with carnivorous characteristics, at flood period higher energy expenditure is required in search of food in the flooded areas, covering therefore greater distances. A variation was also observed in fatty acids composition according to seasonal periods. In the drought period the content of saturated fatty acids (SFA) was higher and in the flood period, monounsaturated fatty acids (MUFA) and polyunsaturated (PUFA) showed the highest values. This increase in PUFA in the flood period is mainly related to the feeding of species, due to the abundance and diversity of food in the flooded areas, such as flowers, fruits, insects and seeds. These foods have high contents of precursors such as linoleic acid (LA, 18:2n6) and α-linolenic acid (ALA, 18:3n3), which through dessaturation and elongation processes synthetize the long chain PUFA, arachidonic (ARA, 20:4n-6), EPA (20:5n-3) and DHA (22:6n-3). The species L. friderici showed the highest content of ALA (14.86 mg g-1), while C. macropomum showed the highest content of DHA. P. nigricans had the lowest content of ARA in both periods, while B. flavicans showed the highest ARA values in both periods, with 18.77 mg g-1 in drought period and 10.22 mg g-1 in flood period. The indices of atherogenicity and thrombogenicity showed significant differences (p <0.05) between the seasonal periods for all species evaluated. The ratio HH (hypercholesterolemic/hypocholesterolemic) was higher in the flood period, with a significant difference (p <0.05) between species and seasonal periods. The values ranged from 1.91 (B. flavicans) to 2.66 (C. macropomum). Brycon species showed similar proximate composition to other studies, however they were significant different (p <0.05) from each other. The fatty acids composition was determined by four different methods: area normalization (MAN), internal standard (MIS), theoretical alternative method (MAT) and experimental alternative method (MAE). A significant difference (p<0.05) was observed between the methods employed and the species. MAN supplied information in percentage of relative area, which hinders their use in formulating diets, requiring accurate information. MIS, MAT and MAE provided the fatty acids composition of B. cephalus and B. microlepis in mass. B. microlepis had the highest content of ALA, while the sum of the fatty acids EPA and DHA was 104.37 mg 100g-1 and 117.89 mg 100g-1 to B. cephalus and B. microlepis, respectively. The diets formulated for the Nile tilapia feed showed similar composition, with no significant difference (p>0.05). Furthermore, the diets fatty acids composition showed that the treatment with chia oil (TIII) and canola oil (TII) have higher content of polyunsaturated fatty acids, in particular the n-3 series, than control treatment with soybean oil. The results showed a significant difference (p<0.05) between the treatments employed, and TII and TIII treatments incorporated higher amounts of PUFA and of long chain polyunsaturated fatty acids (LC-PUFA) than control (TI). These treatments provided respectively 33.16 mg g-1 and 58.96 mg g-1 of LNA. Compared to TI, this amount was higher around 30% for TII and 131% for TIII. At the end of 30 days of treatment, there was an increase of 97% in DHA content in tilapia fed with TIII and 91% in fed with TII. This increase is related to fish ability to synthesize long-chain fatty acids from ALA and LA precursors. PCA applied to the parameters: n-6, n-3, ALA, LA, DHA, ARA and the ratio n-6/n-3 showed that two main components explained 92.07% of data variance, promoting separation of treatments. The results showed that the fatty acids content of n-3 and n-6 influenced the separation of groups and consequently the results obtained. Fish from the Amazon Basin (state of Roraima) have their lipid profile, the fatty acids composition and the nutritional profile of lipid fraction affected by seasonality. However, in both periods species showed excellent content of polyunsaturated fatty acids, particularly the essential and health-benefiting fatty acids. Regarding the method for fatty acids quantification of the two Brycon species from the Central Amazon basin (Mato Grosso state), it was observed that the method with higher accuracy in the results was the internal standard method. Although alternative methods provided results in mass, generally they showed overestimated values, which can lead to erroneous information on diets and sizing process and product formulations. The Nile tilapia submitted to different treatments have their fatty acids composition influenced by the treatment received, therefore treatment with chia oil and canola promoted a greater incorporation of fatty acids of the n-3 series, beneficial to human health. |