Resumo: Os contos populares clássicos fazem parte do cânone universal e ao mesmo tempo local de cada comunidade, tornando-se elementos primordiais do capital cultural dos mais variados grupos. A cada nova tradução, um novo texto, uma maneira diferente de compreendê-lo. Em meio a este contexto de narrativas e mundos ficcionais que vão e vem, perpassando as mais variadas culturas, nos deparamos com traduções advindas de dentro das comunidades Surdas brasileiras. Cinderela, Rapunzel e o Patinho, que aqui não é mais feio, são mais uma vez reinventados, mas agora a partir de uma Cultura Surda, ou seja, partindo da experiência visual do sujeito surdo e trazendo elementos dessa identidade a partir da qual são traduzidos. Elementos estes que são visíveis não apenas na reconstituição fabular, como também, muitas vezes, se evidenciam na maneira como a história é narrada. Tais publicações originam-se com o escopo de registrar os contos clássicos sob o reflexo da identidade Surda, ao mesmo tempo em que contribuem para o fortalecimento de uma Literatura Surda. Pensar a recriação dos contos populares clássicos neste contexto implica, sobretudo, na compreensão das forças e tensões interagentes nestes meios. Dessa forma, a literatura traduzida, enquanto meio de expressão simbólica, enquanto produto de identidades capazes de construir significados socialmente reconhecíveis no meio em que circula, configura uma importante ferramenta neste processo de metafórica descolonização das identidades Surdas, as quais lutam ativamente por representatividade identitária e por maior reconhecimento após séculos de repressão ouvintista. Cinderela Surda (HESSEL; KARNOPP; ROSA, 2003), Rapunzel Surda (KARNOPP; ROSA; SILVEIRA, 2003) e Patinho Surdo (KARNOPP; ROSA, 2005) enveredam-se neste contexto, contribuindo com a afirmação de uma identidade linguística e cultural própria dos surdos via meio impresso, enquanto que a recriação de textos advindos das tradições orais acaba ganhando uma dimensão de resistência literária e de questionamento dos padrões que se impõem. Além do mais, as ilustrações presentes em tais publicações desempenham um papel importante na construção de CS, RS e PS, contribuindo diretamente com a formação de sentido nas narrativas. Assim sendo, partindo de uma concepção de tradução enquanto recriação para um propósito definido, esta pesquisa objetiva analisar como são construídas as recriações de contos populares clássicos a partir da Cultura Surda em suas versões impressas Cinderela Surda (HESSEL; KARNOPP; ROSA, 2003), Rapunzel Surda (KARNOPP; ROSA; SILVEIRA, 2003) e Patinho Surdo (KARNOPP; ROSA, 2005). Para tanto, nos utilizamos dos estudos de Hauser (1977), Lefevere (1992), Amorim (2005), Reiß e Vermeer (2013), Vermeer (1987; 1992), Hutcheon (2013) e Nord (1997), bem como buscamos referências em teóricos-pesquisadores do campo de Estudos Surdos, como Skliar (1997; 2005), pesquisadores da área de educação dos surdos e aquisição da linguagem, como Goldfeld (1997) e estudos sobre a surdez, como Sacks (2010). Também nos lançamos à luz de teóricos do contexto das literaturas pós-coloniais para compreender este momento de libertação e empoderamento sócio-educativo das identidades Surdas, entre eles Pratt (1999) e Bonnici (2000).
Abstract: Popular classic tales are both part of the universal and the local canon of each community, since they are elements of highest importance within the cultural capital of the most varied groups. Every new translation results in a new text and in a different way of understanding it. Narratives come and go throughout different cultures and it is possible to see even the ones coming from the Deaf Brazilian Communities. Cinderella, Rapunzel, and The Duck - which is not ugly anymore - are now recreated according to a Deaf Culture. These new texts are based on a visual experience and incorporate elements of a Deaf identity not only in the fable reconstitution, but also in the way the narratives are organized. The scope of these publications is to register the classic tales according to Deaf identities as well as to corroborate with the establishment of a Deaf Literature. Therefore, the surroundings of interactional forces and pressures play important roles in this scenery and cannot be ignored. Taking translated literature as both means of symbolic expression and outgrowth of identities able to construct social meanings, it is possible to realize its performance as an important tool in the process of a metaphoric decolonization of active Deaf identities fighting for representation after such a long time of hearing repression. Deaf Cinderella (HESSEL; KARNOPP; ROSA, 2003), Deaf Rapunzel (KARNOPP; ROSA; SILVEIRA, 2003) and Deaf Duck (KARNOPP; ROSA, 2005) take part in this context contributing to the assertion of linguistic and cultural Deaf identity throughout these printed versions. In this sense, the recreations of narratives from past oral traditions acquire a dimension of literary resistance while questioning imposed standards. Also, the illustrations take important roles in the way these narratives are organized and contribute directly with the construction of meaning. Thus, departing from a conception of translation as recreation for defined scopes, this research aims at analyzing the classic popular tales retold according to Deaf Culture in the printed versions of Deaf Cinderella (HESSEL; KARNOPP; ROSA, 2003), Deaf Rapunzel (KARNOPP; ROSA; SILVEIRA, 2003) and Deaf Duck (KARNOPP; ROSA, 2005). Studies of Hauser (1977), Lefevere (1992), Amorim (2005), Reiß and Vermeer (2013), Vermeer (1987; 1992), Hutcheon (2013) and Nord (1997) were of great importance, as well as we looked for references in Deaf Studies scholars like Skliar (1997; 2005), Goldfeld (1997), from language acquisition and education of the deaf, and Sacks (2010), from studies about the deaf. Scholars from post-colonial literatures, like Pratt (1999) and Bonnici (2000), were also fundamental in order to comprehend this moment of social-educative emancipation and empowerment of Deaf identities. |